terça-feira, 27 de maio de 2008

Alberto Sampaio na Revista Lusitana

No volume IV da Revista Lusitana (1896), de José Leite de Vasconcelos, Alberto Sampaio publicou um texto raramente referido na sua bibliografia. Trata-se de uma nota etimológica que aparece transcrita, com pequenas alterações de pormenor, na nota C inserida no final de “As Vilas do norte de Portugal”.


Um derivado de cornus, -i pelo sufixo -ária

Nos nossos pomares é hoje completamente desconhecida a cornus dos latinos (Cornus mascula de Linn.), – árvore frutífera de pequeno porte, cuja madeira teve na antiguidade grande reputação de dureza, segundo uma das referencias de Virgílio:

……………………..et bona bello

Cornus…………………………...(1)

Não mais conhecida foi ela com certeza dos lexicógrafos portugueses, tal tem sido a sua divergência na tradução da palavra latina; traduzem-na uns em corniso, outros em sanguinho, outros em pilriteiro, julgando alguns que era uma espécie de abrunheiro, senão também de cerejeira brava. Este desvairamento de opiniões numa coisa tão simples indica absoluto desconhecimento da árvore; e contudo ela foi cultivada entre nós, e teve um nome privativamente seu, com uso tão prolongado, que se fixou em denominações locais.

O documento n.° 263 (an. 1027) dos Dipl. et Chartae, colecção dos Port. Mon. Hist., dá-nos uma informação decisiva a este respeito na seguinte passagem –uilla Cornaria subtus castro uermudi discurrente rribolum aue.

Comecemos pelo exame da denominação da “vila”.

Sendo corrente(2), que no período romano se designaram localidades e prédios rústicos com nomes derivados de vegetais por meio de vários sufixos, entre eles -arius -ária, logo à primeira vista a palavra cornaria se nos apresenta composta de cornus+-ária, justamente como do mesmo modo se compuseram os nomes de quase todas as árvores; sem a menor hesitação podemos, portanto, considerar a cornaria, que se lê no diploma, equivalente à cornus do latim clássico.

Vejamos agora se aquela entrou na linguagem popular, vertendo-se -ária em -eira.

Felizmente o texto contém as indicações bastantes para ser possível uma investigação de localidade. Este prédio devia ser pouco extenso, porque não produziu uma freguesia rural; mas deixou, contudo, memória na toponímia. Aproximadamente a 4 quilómetros do Castro de Vermoim, em baixo, ao sul, nos limites de Landim, S. Miguel e S. Paio de Seide (V. N. de Famalicão), há um terreno, compreendendo campos e bouças, chamado hoje o lugar de Carneira ou Corneiras; daqui ao Ave há quase a mesma distância. A situação da vila não deixa a menor dúvida; onde esteve a Cornaria do diploma está a Corneira actual.

Uma parte da freguesia de Tagilde (Guimarães) chama-se também ainda hoje Vila Corneira, que supõe uma Cornaria, como muito bem entende o seu distinto pároco, o sr. Oliveira Guimarães. (3)

Em face, pois, dos nomes topónimos que acabamos de citar, fica demonstrado que a cornus deu origem a Cornaria e Corneira, e que, portanto, esta última deve ser a tradução da primeira palavra.

Todavia, o nome nunca teria existido sem a árvore, por isso dissemos que foi cultivada entre nós; mas, tendo sido abandonada a sua cultura, ele perdeu-se para a linguagem comum, ficando apenas gravado no onomástico local, e por tal motivo passou desapercebido aos eruditos.

Quanto à denominação do fruto (cornum, -i) lapidosaque corna, diz Virgílio(4) –, não encontrámos vestígios que nos elucidem sobre a forma portuguesa, que indubitavelmente existiu.

Alberto Sampaio.

(in Revista Lusitana, n.º 4, 1896, pp.285-286)

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(1) G. II, V. 447-8.

(2) Jubainville, Recherches s. l’or. de la pr. f. et d. n. de l. hab. en F., Cap. XVI

(3) Tagilde, Mem. Hist.-Descript.

(4) Aeneid., III, v. 649

domingo, 25 de maio de 2008

Alberto Sampaio na Revista de Guimarães (5)


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ESTUDOS DE ECONOMIA RURAL DO MINHO

A apropriação da terra e as classes que constituem a população campestre

A quem vê hoje a província, coberta duma rede inextricável de divisões, dispostas por toda a parte em estreitas malhas, ajustando-se a todos os contornos e relevo do solo, com as casas rústicas dispersas pelos vales e encostas, - parecerá que nunca foi de outro modo e que se houve canto do mundo em que a propriedade individual tinha de nascer espontânea, devera ser este, onde tudo estava indicando o regime actual, desde a configuração do terreno até à abundância da água.

Houve todavia uma época, em que a população vivia no alto dos montes: era esta a regra normal em toda a região, como mostram as ruínas da Citânia de Briteiros e Sabroso (Guimarães), da do Monte da Saia (Barcelos), da de Paços de Ferreira e de tantas outras que cobrem os picos culminantes das cordilheiras que atravessam o país.

Que essas ruínas representam verdadeiros lugares rústicos, onde a população se recolhia para maior segurança, como indicam as muralhas de defesa, é sem duvida uma hipótese verosímil. Com os habitantes assim aldeados ou grupados em povoações, partindo dali para os seus trabalhos, a província apresentaria já uma feição muito diferente, feição que chegou até à ocupação romana, por isso que muitas destas se encontram romanizadas. Até pelo menos a essa época, o regime quanto às habitações era totalmente diverso do presente e deixa supor que o da terra seria também outro, adequado a tal disposição das casas. Se com as habitações dispersas é necessária a propriedade individual, a colectiva torna-se possível quando se agrupam em lugares.

in Alberto Sampaio, "Estudos de economia rural do Minho. A apropriação da terra e as classes que constituem a população campestre", Revista de Guimarães, n.º 4, 1887, p. 21-38.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A Indústria Vimaranense

A assinalar a Exposição Industrial de Guimarães de 1884, foi lançado o número único do jornal “A Indústria Vimaranense”, uma iniciativa conjunta da imprensa local, que contou com textos de diversos autores, entre os quais Adolfo Salazar, Campos Henriques, Avelino Guimarães, Conde de Margaride, Martins Sarmento e Pereira Caldas. O texto de abertura é de Alberto Sampaio. Aqui fica:

Parecerá geralmente demasiada imodéstia que um concelho, a quem sobra a indiferença pública, se abalançasse a fazer uma Exposição Industrial.

Os seus iniciadores não tiveram contudo em vista organizar uma festa de mera ostentação, nem tampouco nunca pensaram surpreender o público com uma colecção de produtos, cujo acabamento nada deixasse a desejar.

Está visto que cada um havia de fazer o melhor que pudesse; mas este melhor estando limitado a um maquinismo antigo e por assim dizer primário, a exposição não poderia ostentar evidentemente estas maravilhas da indústria moderna que nas grandes exposições estrangeiras provocam a admiração das multidões, Havia, porém, um motivo para pôr de lado quaisquer considerações e fazer esta tentativa.

Tendo a mecânica moderna, auxiliada por enormes capitães, revolucionado a indústria fabril em todos os países civilizados do mundo, a nossa tem continuado a viver aqui humildemente com os seus velhos instrumentos de produção, procurando somente na habilidade manual a perfeição e barateza que aliás lhe devia ser dada economicamente por máquinas e ferramentas aperfeiçoadas.

A situação tornara-se extremamente delicada. A concorrência estrangeira, minando-a e cerceando-a todos os dias, está pondo em risco a subsistência de milhares de pessoas e uma parte da riqueza nacional. A falta de instrução técnica, a aprendizagem imperfeita e não regulada, a indiferença dos poderes públicos, a carência de capitães e instrumentos aperfeiçoados, vão operando dia c noite uma solução desgraçada.

Era tempo, pois, de tentar um esforço. Começar por uma exposição estava naturalmente indicado.

Agitar a população fabril e convencê-la a lançar-se numa tal empresa, a ela que tem vivido sempre na penumbra e como que abandonada, é muito; mas não é tudo. O tudo é a união das vontades. Se se convencerem todos da força imensa de que poderão dispor, se reunirem e disciplinarem os seus esforços, se se convencerem que um dos grandes males que aflige o trabalho local é a desunião e o indiferentismo de cada um em relação aos interesses gerais, se em vez de partidos meramente políticos levantarem outro que se proponha sobretudo a reorganização da indústria concelhia, se ao lado dele organizarem sociedades de estudo que procurem a solução das questões que lhe dizem respeito, se em fim se formular claramente uma vontade decidida de obter o rejuvenescimento das antigas e históricas indústrias de Guimarães, os iniciadores e organizadores da exposição dar-se-ão por satisfeitos, quaisquer que fossem as contrariedades com que tiveram de arcar para dar este primeiro passo definitivo no novo caminho.

Alberto Sampaio

A Indústria Vimaranense, n.º único, Guimarães, 15 de Junho de 1886

domingo, 18 de maio de 2008

O terramoto da Andaluzia de 1884

No dia 25 de Dezembro de 1884, quando a noite já tinha caído, a Andaluzia foi abalada por um terramoto que causou mais de 800 mortos e 1500 feridos, deixando atrás de si um imenso rasto de destruição. Esta catástrofe daria origem a uma enorme campanha de solidariedade, que se estendeu desde a Europa até à América.

Assim foi também em Guimarães, onde, ao longo do mês de Janeiro de 1885, houve preces pelas vítimas do terramoto, que culminaram no dia em passou um mês sobre o desastre, no qual saiu da igreja de S. Domingos uma procissão de penitência, conduzindo, num andor, a imagem de Nossa Senhora dos Terramotos em andor, que terá sido acompanhada por uma multidão de mais de 6000 pessoas.

No dia 12 de Fevereiro, realizou-se, no teatro de D. Afonso Henriques, um baile de máscaras em benefício dos povos de Andaluzia. Segundo então noticiou o Comércio de Guimarães, o baile teve uma assistência extraordinária” e “o teatro achava-se decorado com muito gosto, principalmente os camarotes da 2.ª ordem”. À porta tocou uma banda de música até à meia-noite. A sessão entrou pela noite dentro, tendo sido dançada a última quadrilha às três horas da madrugada. O escritor Bráulio Caldas ofereceu então à comissão organizadora do evento “um formoso bouquet de sonetilhos”, que foi vendido em benefício das vítimas do terramoto.

Nesse dia, começou a circular o número único do jornal Guimarães-Andaluzia, publicação em Benefício das Vítimas dos Terramotos na Espanha, pela Comissão de Socorros Vimaranenses em que colaboraram 44 autores vimaranenses. Entre eles, contava-se Alberto Sampaio, com o seguinte texto:

Conto popular

Duma vez, uma pobre mulher tinha um filho, que chegou a ser bispo ou arcebispo.

Quando isto aconteceu, era já muito idosa e vivia numa cabana, longe da cidade.

Mas o filho, logo que subiu a tal honraria, mandou por ela e trouxe-a para o paço, onde a velhinha era tratada a primor, com todas as grandezas devidas à mãe de um príncipe da Igreja.

Apesar de tudo, a coitada sentia-se mal. Não estava em sua casa: faltava-lhe a liberdade do seu lar, o agasalho e o calor da sua fogueira.

Começou a pedir que n levassem outra vez para a sua terra, e tanto disse que o bispo mandou reconduzi-la à sua antiga vivenda.

Chegada lá, e despedidos os grandes que a acompanhavam, a boa velha fechou-se por dentro, acendeu o fogo na lareira abandonada, assentou-se no seu escabelo, e, pondo-se à vontade, desabafou em alta voz:

“Ah, minha casa, meu lar! Quem te fadou, não te fadou mal.”

~*~

Os desgraçados, que V. com o seu óbolo, vão ajudar a readquirir o home destruído, ainda que não conheçam o mote do povo português, dirão todavia no seu coração:

“Bem hajam os que nos auxiliaram a reconstruir as nossas casas, os nossos lares.”

Guimarães, Janeiro do 1885.

Alberto Sampaio.


sábado, 17 de maio de 2008

Alberto Sampaio e o Plano Geral das Escolas de Instrução Primária de Guimarães

Num texto que escreveu sobre a Exposição Industrial de Guimarães de 1884, Avelino da Silva Guimarães descrevia Alberto Sampaio como sendo “dotado de inteligência viva e muitíssimo cultivada, especialmente em estudos económicos. Sem ocupações profissionais, cheio de ardor e de brio, caracteristicamente trabalhador”. À imagem de outros homens da cultura do seu tempo, como Francisco Martins Sarmento, Alberto Sampaio não exercia nenhuma profissão (a não ser quando montou banca de advogado em Lisboa, logo após a formatura em Coimbra, ou quando, por breve tempo, trabalhou no Banco de Guimarães). No entanto, era, repetindo as palavras do seu amigo Avelino Guimarães, “caracteristicamente trabalhador”. Ao longo da sua vida, assumiu diversas causas públicas e desempenhou missões cuja incumbência aceitou em prol do interesse comum .

Em 1869, integrou a filial de Guimarães da Associação Arqueológica de Lisboa.

Em 1873, ajudou a fundar, a Companhia dos Banhos de Vizela.

No início de 1881, integrou a comissão que a Câmara de Guimarães incumbiu da missão de avaliar as vantagens da introdução no concelho de vides americanas resistentes à filoxera.

A partir desse mesmo ano, deu uma contribuição fundamental para a fundação e instalação da Sociedade Martins Sarmento, à qual prestou serviços relevantes.

Em 1883, fez parte da comissão encarregada pela Câmara de seleccionar os produtos que seriam levados à exposição Agrícola de Lisboa, que se realizou em Maio desse ano.

Em 1884, organizou, com reconhecida eficácia, a Exposição Industrial de Guimarães, promovida pela Sociedade Martins Sarmento.

Para além das suas contribuições para a cidade onde nasceu e viveu a maior parte da sua vida, Alberto Sampaio também contribuiu para, pelo menos, um projecto de dimensão nacional, a proposta de Lei de Fomento Rural de Oliveira Martins, de 1887.

Alberto Sampaio esteve ainda ligado ao desenvolvimento do ensino em Guimarães, uma das principais preocupações da Sociedade Martins Sarmento, que nasceu como Promotora da Instrução Popular. Em 1883, integrava, com o Conde de Margaride e o Padre António José Ferreira Caldas, a Junta Escolar de Guimarães, a quem coube organizar o plano geral das escolas de instrução primária e respectiva distribuição pelas freguesias do concelho, em conformidade com uma lei de 2 de Maio de 1878. A Câmara Municipal, então presidida por António Coelho da Mota Prego, aprovaria este plano no dia 8 de Agosto de 1883, remetendo-o para o inspector distrital da instrução primária em 1 de Setembro seguinte. Porém, em vez de lhe ser dado andamento, o projecto “dormiu em Braga cerca de quatro anos, na inspecção distrital, no meio dos papéis inúteis e abandonados”, conforme se escreverá no Boletim da Sociedade Martins Sarmento de Maio de 1894.

Em 1897, o plano esquecido voltou novamente à Câmara. Por essa altura, tinha sido publicado um ofício do Governador Civil do Distrito de Braga que impedia a criação de novas “escolas elementares sem que haja sido aprovado o respectivo programa”, que suscitou uma proposta de António Mota Prego, onde, depois de concluir que, “a avaliar pelo que tem sucedido, determinadamente com o antigo plano elaborado pela Câmara em 1883, e perdido na inspecção de Braga sem seguimento até 1887, calculo que não poderemos gozar tão breve o melhoramento que as necessidades da instrução pública reclamam e a Câmara com tão boa vontade aprovou”, propõe a instalação, com carácter provisório, de uma “escola de ensino público, em que se professem a gramática portuguesa, rudimentos de corografia e história de Portugal, princípios elementares de aritmética, geometria e sistema métrico”.

A nova escola começou a funcionar no dia 1 de Outubro de 1887, numa sala alugada num edifício da rua de Gil Vicente e com mobiliário do Instituto Escolar da Sociedade Martins Sarmento.

No Boletim da Sociedade Martins Sarmento de Junho de 1894 encontrámos um elogio ao professor da Escola Primária Elementar, no qual transparecem as preocupações pedagógicas daqueles que, como Alberto Sampaio, lideraram o movimento que operou uma revolução na oferta escolar de Guimarães, desde o ensino das primeiras letras ao ensino técnico e liceal:

“Sem melindre de outros, por igual inteligentes e zelosos; folgámos em poder dizer, por observação repetida, que o professor da escola municipal tem honrado a confiança que a câmara nele depositou.

Não será difícil encontrar indivíduos, profundamente conhecedores das matérias que se compreendem no programa da cadeira que foi posta a seu cargo. Mas o que não é tão fácil de encontrar, é quem disponha assim de paciência, de benevolência de serenidade, de amor pelas crianças que lhe são confiadas.

Cada criança aprende mais depressa ou mais devagar, mais fácil ou mais dificilmente segundo a capacidade natural da sua inteligência. Do seu trabalho, do seu estudo depende muito, é certo, mas não depende tudo.

Pretender medi-las todas pela mesma craveira é sempre absurdo. Mas, por desgraça, é o que mais usualmente sucede.

E, não raras vezes, se ouve falar do triste espectáculo de um mestre, que procura iluminar brutalmente, à pancada, o cérebro dos seus alunos, que a natureza não fez tão vivo, tão perspicaz ou tão feliz.

Estes processos violentos surtem sempre mau efeito.

Não só essas barbaridades são improdutivas para o fim que se deseja, mas sucede ainda mais que a criança maltratada a cada passo não achando na sua organização, intelectual forças que a eximam a esta tortura de todos os dias, acaba por se desalentar, por se modificar e perverter no seu carácter ao mesmo passo que lhe fogem os últimos restos da viveza intelectual, e a saúde física se compromete e depaupera.”

terça-feira, 13 de maio de 2008

A política portuguesa, segundo Alberto Sampaio

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A Paixão Popular, segundo Rafael Bordalo Pinheiro (in O António Maria, 25 de Março de 1880)

Durante toda a nossa história contemporânea, para a população portuguesa a noção do “governo” tem sido sempre a de um inimigo, de que a gente precisa de se defender, por sua conta e risco, como puder. Depois de se extenuar em tumultos e convulsões por mais de meio século, sem nenhum outro resultado, senão achar-se cada vez pior, considerando-se já agora como vencida, não faz ela outra opinião, senão a de um conquistador, que para a deixar viver à mercê da sua ignorância e miséria lhe exige o melhor do seu dinheiro.

A seu turno, os que mandam, aqueles que tiveram uma hora de sorte ao pôr o pé no estribo e por fim tomaram definitivamente as rédeas do poder, somente vêem no público – eles e os seus agentes, um gerador de impostos, a massa anónima, vil e desprezível, que não pode servir para outra coisa, mas que, contudo, é força ir ameigando deste ou daquele modo, por modo que ele, apesar da sua pacatez dos últimos trinta anos, não venha a enraivar-se, como as ovelhas tosquiadas rentes em demasia.

A frase tão famosa “o povo pode e deve pagar mais” exprime pitorescamente esta situação. Dois inimigos debatem um imposto de guerra. O vencedor, o que governa, quer tal quantia para deixar em paz o vencido, que se vê ao fundo com o traje burlesco, que o celebrado caricaturista lhe deitou aos ombros, protestando e jurando que não tem ceitil.

E são, de facto e realmente, dois inimigos, duas entidades que se não entendem nem se amam. Por isso se formou a oligarquia governante com os seus interesses e as suas opiniões em oposição ao país, que, não tendo já força para lhe resistir, nem saber para a substituir, sofre todas as imposições, reservando-se a triste e nefasta consolação de a desprezar e denominá-la com os nomes mais injuriosos.

Daqui resultam as piores consequências.

Faltando aos governos o apoio moral da nação, falta aos homens que o têm constituído e aos empregados, seus delegados, o sentimento de responsabilidade que basta por si só para tornar fecunda uma administração.

Por outro lado, livres de todo o sentimento de dever para com a nação, os políticos, julgando-se em terreno conquistado, importam-se apenas da sua gente.

Por isso, pode dizer-se que a política portuguesa, no fundo, só se tem preocupado de duas questões correlativas – aumentar os impostos para elevar a receita, e acrescentar esta em benefício de uma classe.

(Alberto Sampaio, “Oliveira Martins e o seu projecto de Lei de Fomento Rural”, in A Província, Porto, 14 de Maio de 1887)

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Exposição bibliográfica “Alberto Sampaio no seu tempo”

A exposição bibliográfica “Alberto Sampaio no seu tempo”, organizada pela Biblioteca Pública de Braga, está patente ao público no átrio da reitoria da Universidade do Minho, no Largo do Paço, até ao próximo dia 15 de Maio. Nesta mostra são apresentadas várias obras da bibliografia activa e passiva do historiador e alguns títulos significativos de importantes personalidades do seu tempo, como Oliveira Martins, Antero de Quental, Martins Sarmento, Abade de Tagilde, Luís de Magalhães e Jaime de Magalhães Lima.


A pequenada diverte-se com Alberto Sampaio

Um grupo de 25 crianças da Escola EB1/JI Abade de Vermoim, participou na actividade “Alberto Sampaio a brincar é que a gente se entende” que decorreu esta quinta-feira, 8 de Maio na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, em Vila Nova de Famalicão.

Num concurso entre equipas, a pequenada divertiu-se a resolver passatempos do Caderno de Exploração desenvolvido pelas técnicas do Serviço Educativo do Museu de Alberto Sampaio, que deu o nome a esta actividade. E a brincar, partiram à descoberta de aspectos singulares da vida de Alberto Sampaio retratados no livro infantil “ História de Alberto”. No final, todos os participantes receberam como prémio um exemplar do Caderno de Exploração e um certificado de participação.

Professores de Braga participaram no roteiro de Alberto Sampaio

Um grupo de 30 professores da Escola Secundária Alberto Sampaio, de Braga, participou esta quarta-feira, 7 de Maio, no roteiro “Alberto Sampaio por terras do Minho”, uma iniciativa inserida nas Comemorações do Centenário de Alberto Sampaio, que estão a decorrer até ao final do ano envolvendo as autarquias de Famalicão e Guimarães, para além de outras instituições.

De Vila Nova de Famalicão, ponto de partida, o grupo rumou à Casa Museu de Camilo, em S. Miguel de Seide, para visitar um dos lugares mais emblemáticos do romancista. Seguiu-se a Igreja Paroquial e o Mosteiro de Santa Maria de Landim. O claustro e os lindíssimos jardins, recriaram o cenário ideal para transmitir ao grupo informações de interesse histórico sobre o antigo convento dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho onde, anos mais tarde, já na posse do domínio privado, Alberto Sampaio viria a conhecer Camilo Castelo Branco. O roteiro terminou com “chave de ouro” na Casa de Boamense, com a visita aos jardins e à biblioteca do historiador.

domingo, 4 de maio de 2008

Alberto Sampaio na Revista de Guimarães (4)


ESTUDOS DE ECONOMIA RURAL DO MINHO
A cultura do mato

Por toda a parte, nos cimos dos montes e nas ladeiras íngremes, entre as penedias que afloram à superfície, onde nunca poderá chegar a charrua, ou em baixo nos sítios mais magros e pedregosos, de onde jamais tirará qualquer proveito, nascem espontaneamente estes arbustos silvestres e bravios, conhecidos pela denominação geral de “mato”, dando aos montes todo o ano pela persistência das suas pequenas folhas uma cor verde característica e em certas épocas cobrindo-se de bonitas flores amarelas. Comuns a todas as formações graníticas, rudes e intratáveis por causa dos seus espinhos agudos, são, apesar da sua difícil abordagem, uma das mais preciosas produções com que a natureza quis porventura compensar a pobreza inicial destes terrenos, e que o génio da raça, que se fixou no país, soube converter em beneficio dos outros que melhor se prestavam ao cultivo.

É assim em todos os países graníticos, desde o Minho ate à Bretanha: em todos a agricultura recorre àquelas plantas, como a um dos principais elementos fertilizadores e de maior valia que a natureza lhe pôs à disposição.

E, de facto, se viessem a desaparecer, veríamos a produção agrícola do Minho muito reduzida: a região contendo 50% de terras montanhosas, a metade das quais pelo pouco não daria nenhum vegetal de produção directa, nem outro, a não ser este, que pudesse prestar qualquer auxilio à sua lavoura, o lavrador teria então de aplicar às camas dos animais a palha com que actualmente em parte do ano sustenta o gado; e a falta desta deveria ser substituída por ervagens que teria de produzir especialmente para tal fim nas terras onde hoje produz ou grãos ou frutos destinados ao sustento do homem. Se o cultivador minhoto pôde acomodar à produção agrícola todos os cantos aproveitáveis da sua terra, é sobretudo por causa destas sarças agrestes que vegetam até no alto dos montes entre as pedras e que vêem fertilizar os campos dos vales e da meia encosta, trazendo-lhes princípios fertilizantes, que aliás lhe ficariam muito caros: à falta de conhecimentos técnicos positivos, a intuição mostrou-lhe o merecimento económico de tais plantas que se lhe representam com verdade como o mais valioso auxiliar da sua indústria.

in Alberto Sampaio, "Estudos de economia rural do Minho. A cultura do mato", Revista de Guimarães, n.º 3, 1886, p. 146-159.