Em 1953, o Dr. Nuno Simões publicou no jornal Notícias de Guimarães no qual, a partir de Alberto Sampaio, reflectia sobre a situação da indústria e da agricultura de então. Aqui se reproduz.
Foi o grande Alberto Sampaio, mestre de história social e de economia rural quem, há uns setenta anos, sustentou, em resposta à pergunta: Convirá promover uma exposição industrial em Guimarães? que “não é independente uma nação ou um povo só porque certas circunstâncias lhe permitem uma soberania especial representada por um Governo”.
E o sábio recolhido de Boamense, continuou:
“Para ser na verdade independente, é necessário que afirme a sua existência duma maneira própria, que se torne um organismo em que as actividades de todos os seus elementos têm de convergir para a conservação e aperfeiçoamento das primeiras necessidades, até às mais elevadas concepções do espírito, isto é, até ao desenvolvimento das faculdades características da sua raça.”
E ainda: “uma nação ou um povo que viesse a perder a sua indústria, perdendo uma função das mais importantes, perderia também uma das principais expressões do seu génio e colocar-se-ia, por esse facto, moralmente, como estamos vendo, e economicamente, como veremos logo, numa posição inferior em respeito aos outros que continuam a possuir aquela faculdade criadora.”
Teremos nós porém capacidade industrial?
Já, então, Alberto Sampaio afirmava que sim, dizendo: “sobeja-lhe (ao povo português) o amor do trabalho, a reflexão, a tenacidade e o espírito de ordem, tendo em si os elementos necessários para criar uma indústria nacional.”
Provou-o que farte o inquérito industrial de 1881.
Mestres nacionais e estrangeiros opinam conformemente que o operário português possui todas as qualidades necessárias de um bom oficial: o que lhe falta é o ensino técnico geral, a aprendizagem, e um meio moral conveniente que lhe estimule as faculdades inventivas».
O estudo de Sampaio, há tanto tempo escrito, não perdeu actualidade, sobretudo quanto às carências que ele sublinhou.
E o condicionalismo económico e social que se criou, no último meio século, veio justificar inteiramente a sua orientação.
Às razões de ordem técnica por ele invocadas, acresceram as injunções económicas.
A industrialização não é, hoje, apenas uma demonstração da capacidade técnica nem depende somente duma boa preparação profissional ou obedece a finalidades cívicas e patrióticas.
As necessidades económicas da nação exigem-na. Há que sustentar uma população em ritmo forte de crescimento. Ou se industrializa o país, até onde for possível, para assegurar subsistência e melhoria de nível de vida à população, que aumenta, ou esta tem de procurar, fora de fronteiras, trabalho e alimentação, pois a terra da Metrópole já não pode sustentar os que nela vivem e crescem, aos 100 mil anualmente.
O esforço feito para o aproveitamento dos recursos hidro e termoeléctricos do país – e que não custa a reconhecer que tem sido importantíssimo, – terá que ser continuado e completado, a fim de permitir a vida das indústrias que, todos os dias, se estão instalando e a melhoria da agricultura que precisa de desenvolver-se e modernizar-se.
Terão as novas indústrias de ser estudadas previamente e com objectividade e proficiência, para que não haja dúvidas sobre a sua viabilidade económica e para que não venham a perder-se, inutilmente, capitais e a comprometer-se injustamente técnica e mão de obra quê temos de defender, com toda a parcimónia.
O regime de condicionamento industrial (que foi criado, se não estou em erro, por um vizinho de Guimarães, despretensioso e de notável senso prático: - o Dr. Antunes Guimarães) tem tido muitas vantagens económicas e não há industrial que, desapaixonadamente, não reconheça as suas virtudes e os seus méritos.
Deveu-se-lhe um esforço orientador na defesa da organização industrial do país, que pode ser discutido, num ou noutro detalhe, mas que há-de ser reconhecido, como útil e eficaz, quando, fora de pequenas questões de momento, o interesse nacional for a razão única da inspiração duma crítica construtiva.
Algumas novas indústrias primaciais estão em marcha. Tem sido mais demorado pôr outras em laboração. Mas, de um modo geral, as velhas indústrias tradicionais ampliaram-se, renovaram-se e procuraram actualizar-se com aparelhamento novo, com maior preparação profissional do operariado, melhores condições de instalação e ambiente mais higiénico e confortável de trabalho.
Se compararmos, na nossa importação, as compras de matérias-primas de 1900 com as de cinquenta anos depois e se, paralelamente, confrontarmos a exportação de objectos fabricados no mesmo período, temos de concluir por que a industrialização do país se está processando lentamente mas com segurança.
Em 1900 – não chegávamos a 5 milhões e meio na Metrópole, – importamos 1.263.949 tons. de matérias-primas no valor de 19.703 contos-ouro. Meio século depois – éramos já quase nove milhões e meio, – essa importação subiu para 2.177.154 tons. e 61.588 c. ouro.
A exportação de objectos fabricados que somou, no primeiro ano deste século 21.437 Tons. e 4.632 C. ouro, em 1950 representou 215.734 Tons. e 41.807 C. ouro. E nesta rubrica não se incluíram muitos produtos alimentares como as conservas de peixe, carne e frutas, e muitas matérias-primas meio trabalhadas como o pez e a aguarrás; umas e outras provenientes de actividades fabris e as últimas de produção relativamente recente.
Mas Sampaio não se deixou tomar de entusiasmo pela industrialização, repudiando ou esquecendo a agricultura.
Ele escreveu, também, no artigo a que me estou referindo: “Se na ordem cronológica das indústrias a agrícola é a primeira que aparece como mãe de todas as outras, como a origem de toda a civilização, ficará todavia naquele estado rudimentar e primitivo enquanto se não desenvolver convenientemente em volta de si o trabalho fabril. Os grupos de população manufactureira que se vão formando em derredor, abrem-lhe um mercado, activam-na e forçam-na a aumentar a produção. Mais tarde é ela que lhe fornece a apeiria aperfeiçoada, é ela enfim que com o seu ensino vai reagir sobre a outra, obrigando-a, também, pelo exemplo, a melhorar os seus processos.
Se a lavoura portuguesa quisesse reformar os seus utensílios primitivos, teria de os importar na sua generalidade e, portanto, exportar os valores representados no seu custo que desapareceriam fatalmente da economia da nação; enquanto que se a nossa indústria os pudesse fornecer, ficariam no país fomentando a produção nacional.”
Esta é a boa doutrina. Uma lavoura progressiva e próspera tem de estar na base da riqueza nacional. Mas agricultura e indústria são interdependentes.
Sem prosperidade agrícola, não a pode haver industrial. A agricultura precisa do exemplo sugestivo da modernização fabril e do consumo mais retribuidor dos seus produtos pelas massas operárias da indústria.
Fui, em certa altura, dos que viram, com satisfação, os industriais enriquecidos voltarem-se para a agricultura e fazerem-se grandes proprietários rurais, com dinheiro fácil e barato para a exploração agrária e como era de esperar também, com métodos de produção mais modernos e racionais. Infelizmente a influência que eles exerceram na agricultura pouco se sentiu ainda, se é que se sentiu. A situação não mudou.
NUNO SIMÕES
Notícias de Guimarães, n.º 1119, ano 22.º, 22 de Junho de 1953
Indústria e Agricultura
Uma nota à margem de opiniões de Alberto Sampaio
Uma nota à margem de opiniões de Alberto Sampaio
Foi o grande Alberto Sampaio, mestre de história social e de economia rural quem, há uns setenta anos, sustentou, em resposta à pergunta: Convirá promover uma exposição industrial em Guimarães? que “não é independente uma nação ou um povo só porque certas circunstâncias lhe permitem uma soberania especial representada por um Governo”.
E o sábio recolhido de Boamense, continuou:
“Para ser na verdade independente, é necessário que afirme a sua existência duma maneira própria, que se torne um organismo em que as actividades de todos os seus elementos têm de convergir para a conservação e aperfeiçoamento das primeiras necessidades, até às mais elevadas concepções do espírito, isto é, até ao desenvolvimento das faculdades características da sua raça.”
E ainda: “uma nação ou um povo que viesse a perder a sua indústria, perdendo uma função das mais importantes, perderia também uma das principais expressões do seu génio e colocar-se-ia, por esse facto, moralmente, como estamos vendo, e economicamente, como veremos logo, numa posição inferior em respeito aos outros que continuam a possuir aquela faculdade criadora.”
Teremos nós porém capacidade industrial?
Já, então, Alberto Sampaio afirmava que sim, dizendo: “sobeja-lhe (ao povo português) o amor do trabalho, a reflexão, a tenacidade e o espírito de ordem, tendo em si os elementos necessários para criar uma indústria nacional.”
Provou-o que farte o inquérito industrial de 1881.
Mestres nacionais e estrangeiros opinam conformemente que o operário português possui todas as qualidades necessárias de um bom oficial: o que lhe falta é o ensino técnico geral, a aprendizagem, e um meio moral conveniente que lhe estimule as faculdades inventivas».
O estudo de Sampaio, há tanto tempo escrito, não perdeu actualidade, sobretudo quanto às carências que ele sublinhou.
E o condicionalismo económico e social que se criou, no último meio século, veio justificar inteiramente a sua orientação.
Às razões de ordem técnica por ele invocadas, acresceram as injunções económicas.
A industrialização não é, hoje, apenas uma demonstração da capacidade técnica nem depende somente duma boa preparação profissional ou obedece a finalidades cívicas e patrióticas.
As necessidades económicas da nação exigem-na. Há que sustentar uma população em ritmo forte de crescimento. Ou se industrializa o país, até onde for possível, para assegurar subsistência e melhoria de nível de vida à população, que aumenta, ou esta tem de procurar, fora de fronteiras, trabalho e alimentação, pois a terra da Metrópole já não pode sustentar os que nela vivem e crescem, aos 100 mil anualmente.
O esforço feito para o aproveitamento dos recursos hidro e termoeléctricos do país – e que não custa a reconhecer que tem sido importantíssimo, – terá que ser continuado e completado, a fim de permitir a vida das indústrias que, todos os dias, se estão instalando e a melhoria da agricultura que precisa de desenvolver-se e modernizar-se.
Terão as novas indústrias de ser estudadas previamente e com objectividade e proficiência, para que não haja dúvidas sobre a sua viabilidade económica e para que não venham a perder-se, inutilmente, capitais e a comprometer-se injustamente técnica e mão de obra quê temos de defender, com toda a parcimónia.
O regime de condicionamento industrial (que foi criado, se não estou em erro, por um vizinho de Guimarães, despretensioso e de notável senso prático: - o Dr. Antunes Guimarães) tem tido muitas vantagens económicas e não há industrial que, desapaixonadamente, não reconheça as suas virtudes e os seus méritos.
Deveu-se-lhe um esforço orientador na defesa da organização industrial do país, que pode ser discutido, num ou noutro detalhe, mas que há-de ser reconhecido, como útil e eficaz, quando, fora de pequenas questões de momento, o interesse nacional for a razão única da inspiração duma crítica construtiva.
Algumas novas indústrias primaciais estão em marcha. Tem sido mais demorado pôr outras em laboração. Mas, de um modo geral, as velhas indústrias tradicionais ampliaram-se, renovaram-se e procuraram actualizar-se com aparelhamento novo, com maior preparação profissional do operariado, melhores condições de instalação e ambiente mais higiénico e confortável de trabalho.
Se compararmos, na nossa importação, as compras de matérias-primas de 1900 com as de cinquenta anos depois e se, paralelamente, confrontarmos a exportação de objectos fabricados no mesmo período, temos de concluir por que a industrialização do país se está processando lentamente mas com segurança.
Em 1900 – não chegávamos a 5 milhões e meio na Metrópole, – importamos 1.263.949 tons. de matérias-primas no valor de 19.703 contos-ouro. Meio século depois – éramos já quase nove milhões e meio, – essa importação subiu para 2.177.154 tons. e 61.588 c. ouro.
A exportação de objectos fabricados que somou, no primeiro ano deste século 21.437 Tons. e 4.632 C. ouro, em 1950 representou 215.734 Tons. e 41.807 C. ouro. E nesta rubrica não se incluíram muitos produtos alimentares como as conservas de peixe, carne e frutas, e muitas matérias-primas meio trabalhadas como o pez e a aguarrás; umas e outras provenientes de actividades fabris e as últimas de produção relativamente recente.
Mas Sampaio não se deixou tomar de entusiasmo pela industrialização, repudiando ou esquecendo a agricultura.
Ele escreveu, também, no artigo a que me estou referindo: “Se na ordem cronológica das indústrias a agrícola é a primeira que aparece como mãe de todas as outras, como a origem de toda a civilização, ficará todavia naquele estado rudimentar e primitivo enquanto se não desenvolver convenientemente em volta de si o trabalho fabril. Os grupos de população manufactureira que se vão formando em derredor, abrem-lhe um mercado, activam-na e forçam-na a aumentar a produção. Mais tarde é ela que lhe fornece a apeiria aperfeiçoada, é ela enfim que com o seu ensino vai reagir sobre a outra, obrigando-a, também, pelo exemplo, a melhorar os seus processos.
Se a lavoura portuguesa quisesse reformar os seus utensílios primitivos, teria de os importar na sua generalidade e, portanto, exportar os valores representados no seu custo que desapareceriam fatalmente da economia da nação; enquanto que se a nossa indústria os pudesse fornecer, ficariam no país fomentando a produção nacional.”
Esta é a boa doutrina. Uma lavoura progressiva e próspera tem de estar na base da riqueza nacional. Mas agricultura e indústria são interdependentes.
Sem prosperidade agrícola, não a pode haver industrial. A agricultura precisa do exemplo sugestivo da modernização fabril e do consumo mais retribuidor dos seus produtos pelas massas operárias da indústria.
Fui, em certa altura, dos que viram, com satisfação, os industriais enriquecidos voltarem-se para a agricultura e fazerem-se grandes proprietários rurais, com dinheiro fácil e barato para a exploração agrária e como era de esperar também, com métodos de produção mais modernos e racionais. Infelizmente a influência que eles exerceram na agricultura pouco se sentiu ainda, se é que se sentiu. A situação não mudou.
NUNO SIMÕES
Notícias de Guimarães, n.º 1119, ano 22.º, 22 de Junho de 1953
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