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quinta-feira, 22 de maio de 2008

A Indústria Vimaranense

A assinalar a Exposição Industrial de Guimarães de 1884, foi lançado o número único do jornal “A Indústria Vimaranense”, uma iniciativa conjunta da imprensa local, que contou com textos de diversos autores, entre os quais Adolfo Salazar, Campos Henriques, Avelino Guimarães, Conde de Margaride, Martins Sarmento e Pereira Caldas. O texto de abertura é de Alberto Sampaio. Aqui fica:

Parecerá geralmente demasiada imodéstia que um concelho, a quem sobra a indiferença pública, se abalançasse a fazer uma Exposição Industrial.

Os seus iniciadores não tiveram contudo em vista organizar uma festa de mera ostentação, nem tampouco nunca pensaram surpreender o público com uma colecção de produtos, cujo acabamento nada deixasse a desejar.

Está visto que cada um havia de fazer o melhor que pudesse; mas este melhor estando limitado a um maquinismo antigo e por assim dizer primário, a exposição não poderia ostentar evidentemente estas maravilhas da indústria moderna que nas grandes exposições estrangeiras provocam a admiração das multidões, Havia, porém, um motivo para pôr de lado quaisquer considerações e fazer esta tentativa.

Tendo a mecânica moderna, auxiliada por enormes capitães, revolucionado a indústria fabril em todos os países civilizados do mundo, a nossa tem continuado a viver aqui humildemente com os seus velhos instrumentos de produção, procurando somente na habilidade manual a perfeição e barateza que aliás lhe devia ser dada economicamente por máquinas e ferramentas aperfeiçoadas.

A situação tornara-se extremamente delicada. A concorrência estrangeira, minando-a e cerceando-a todos os dias, está pondo em risco a subsistência de milhares de pessoas e uma parte da riqueza nacional. A falta de instrução técnica, a aprendizagem imperfeita e não regulada, a indiferença dos poderes públicos, a carência de capitães e instrumentos aperfeiçoados, vão operando dia c noite uma solução desgraçada.

Era tempo, pois, de tentar um esforço. Começar por uma exposição estava naturalmente indicado.

Agitar a população fabril e convencê-la a lançar-se numa tal empresa, a ela que tem vivido sempre na penumbra e como que abandonada, é muito; mas não é tudo. O tudo é a união das vontades. Se se convencerem todos da força imensa de que poderão dispor, se reunirem e disciplinarem os seus esforços, se se convencerem que um dos grandes males que aflige o trabalho local é a desunião e o indiferentismo de cada um em relação aos interesses gerais, se em vez de partidos meramente políticos levantarem outro que se proponha sobretudo a reorganização da indústria concelhia, se ao lado dele organizarem sociedades de estudo que procurem a solução das questões que lhe dizem respeito, se em fim se formular claramente uma vontade decidida de obter o rejuvenescimento das antigas e históricas indústrias de Guimarães, os iniciadores e organizadores da exposição dar-se-ão por satisfeitos, quaisquer que fossem as contrariedades com que tiveram de arcar para dar este primeiro passo definitivo no novo caminho.

Alberto Sampaio

A Indústria Vimaranense, n.º único, Guimarães, 15 de Junho de 1886

domingo, 20 de abril de 2008

Notícias da Exposição Industrial de Guimarães de 1884 (1)


A Exposição Industrial de Guimarães de 1884 teve grande ressonância na imprensa local, regional e nacional daquela épica. Entre as inúmeras notícias que então se publicaram, destaca-se uma longa, detalhada e muito interessante reportagem publicada em 18 números do
Jornal de Comércio, de Lisboa, de que a seguir se transcreve um excerto, onde se descreve a génese da Exposição e se dá conta da intervenção destacada que nela teve Alberto Sampaio, que nesse mesmo ano daria os seus primeiros passos como historiador, nas páginas da Revista de Guimarães. Os textos publicados no Jornal do Comércio são do Dr. Avelino da Silva Guimarães, da Sociedade Martins Sarmento e profundo conhecedor da indústria vimaranense.


"(...)

Estas considerações; o conhecimento do valor industrial dos povos do concelho de Guimarães, moderados no salário, sujeitos a trabalho até ao sacrifício; a decadência que se manifesta em parte das antigas indústrias vimaranense; - inspiraram a SOCIEDADE MARTINS SARMENTO a promover, já a concentração do espírito público de Guimarães para o estudo do estado precário da sua indústria, já o emprego de esforços para que o governo realizasse a fundação de estabelecimentos de instrução técnica, decretados desde 1864.

Com estes fins beneméritos, a Sociedade fundou os dois cursos nocturnos de francês e desenho, nomeou comissões de comerciantes, fabricantes e consócios, para procederem a inquéritos parciais por classe de indústria, realizou uma conferência pública na sala da biblioteca, tomando por tema – a importância da indústria vimaranense, e meios de a melhorar –, e resolveu se promovesse uma Exposição Industrial puramente concelhia.

A criação dos cursos nocturnos realizou-se facilmente, graças ao desinteresse e altos dotes cívicos dos dois professores; a Exposição teve largas e variadas dificuldades a vencer.

Teve o pensamento, o projecto da direcção dois anos de incubação. A Sociedade carecia de meios para fazer face às despesas; alguns receavam-se de tudo, e nem sequer esquecia como argumento de impugnação, a necessidade de dar à Exposição, não o aspecto modesto da simples exibição dos produtos fabris, mas o aspecto ornamental das grandes exposições nacionais. O ornamental, como dizia Spencer, preferindo ao útil!

Dois factos recentes resolveram os ânimos mais tímidos: a inauguração do caminho-de-ferro de Guimarães, e a criação da escola industrial da Covilhã; aquela aquecendo e progredindo pela ideia de progresso, esta agitando pelo sentimento de um agravo. A direcção da Sociedade convidou uma assembleia geral de proprietários, comerciantes e industriais. Presidiu o ilustre consócio, o Sr. conde de Margaride.

O projecto da Exposição foi recebido com entusiasmo. Por deliberação desta assembleia, organizou-se uma comissão central composta inteiramente de sócios da SOCIEDADE MARTINS SARMENTO: os Srs. barão de Pombeiro (presidente), dr. António Coelho da Mota Prego (presidente da Câmara), Manuel de Castro Sampaio (administrador do concelho), visconde de Lindoso, directores da Sociedade: dr. José da Cunha Sampaio, António Augusto da Silva Carneiro, António José da Silva Basto, dr. Avelino Germano, dr. Avelino da Silva Guimarães, Domingos Leite de Castro (autor da primeira proposta para a Exposição), Adolfo Salazar, dr. Joaquim José de Meira, dr. Domingos de Castro Meireles, Manuel de Freitas Aguiar, José Miguel da Costa Guimarães e Eugénio da Costa Vaz Vieira; José Martins de Queiroz, dr. Alberto Sampaio, A. A. da Silva Caldas, dr. Luís Augusto Vieira, António José Pinto Guimarães, Domingos José de Sousa Júnior, Manuel Ribeiro de Faria, I. de Menezes, Domingos Martins Fernandes, José Ribeiro da Silva e Castro e João Dias de Castro.

Organizada a grande comissão central, começaram de convidar-se classes de comerciantes e industriais, para os ouvir e consultar acerca do melhor método a seguir para o plano da Exposição.

Foi convidado o Sr. dr. Alberto Sampaio para organizar o projecto do programa e regulamento.

Depois de decorridas bastantes semanas, depois de tomado o espírito de algum imprevisto desânimo, depois de ter exercido um certo domínio no ânimo do público a acção perniciosa dos retrógrados, uns sinceros, outros pelo velho achaque da maledicência, a maioria da comissão refez-se de coragem, resolveu vencer todas as dificuldades, e levar por diante o plano da Exposição.

Organizaram-se duas comissões: numa assembleia-geral, uma comissão de meios, composta dos sócios os Srs. padre João Gomes de Oliveira Guimarães, Domingos Martins Fernandes, Eduardo Almeida e António José Baptista Guimarães; numa sessão da comissão forma-se uma subcomissão executiva, composta dos Srs. dr. Alberto Sampaio, presidente, Domingos Leite de Castro, Domingos Martins Fernandes e Manuel Ribeiro de Faria. A comissão central abre uma subscrição para receita, e subscreve com largueza; a subcomissão de meios consegue em poucos dias abundante receita por subscrição pública. A Câmara subscreveu com 200$000 réis; a companhia do caminho-de-ferro com 100$000 réis.

A animação arrasta a todos, o entusiasmo renasce no comércio e na indústria, o patriotismo dos cidadãos vimaranenses aviva intensamente, uma polémica jornalística acerca da criação da escola de desenho incendeia ainda mais, por se reputar insuficiente pela a riqueza e variedade industrial de Guimarães. A subcomissão executiva confere ao dr. Alberto Sampaio pleno arbítrio na direcção técnica para a organização da Exposição. A comissão central conheceu que em trabalhos desta ordem há sempre necessidade duma certa concentração de poderes, da energia duma direcção superior. Escolheu para este fim, e acertadamente o Sr. dr. Alberto Sampaio, nomeando-o presidente da subcomissão executiva.

O dr. Alberto da Cunha Sampaio é dotado de inteligência viva e muitíssimo cultivada, especialmente em estudos económicos. Sem ocupações profissionais, cheio de ardor e de brio, caracteristicamente trabalhador, agora convencido até ao entusiasmo da oportunidade da Exposição, a comissão não podia fazer melhor escolha para director técnico desta exibição sistemática e concentrada da riqueza industrial de Guimarães.

Assumindo esta direcção, o dr. Alberto Sampaio desenvolve a máxima actividade, visitando as casas de comércio, as fábricas e oficinas, animando a todos, resolvendo dúvidas, organizando, enfim, o quadro das indústrias concelhias. Nas conjunturas mais graves, mais por satisfação aos seus consócios, que por necessidade, consulta a comissão central.

Consegue-se do Sr. António de Moura Soares Veloso, gerente da companhia do caminho-de-ferro de Guimarães, a cessão do palacete de Vila Flor, situado em posição vantajosa, e próximo da estação do caminho-de-ferro.

Convidam-se os numerosos expositores a escolherem lugar para as suas instalações, pela maior parte feitas a expensas próprias.

Sendo muito numerosos, havendo uma grande variedade de classes de indústrias, poucas e pequenas as salas para tão desenvolvida Exposição, imaginem-se os esforços que o director técnico teve de fazer, as indicações prudentes e engenhosas que foi necessário usar, para que todos ficassem bem, e todos satisfeitos.

(...)"

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Alberto Sampaio, "deputado de Guimarães"


No dia 29 de Junho de 1884, quando em Guimarães decorria a Exposição Industrial, com Alberto Sampaio ao leme, realizaram-se em Portugal eleições constituintes. O historiador vimaranense contava-se entre aqueles cujos nomes foram então a votos.

Sobre essas eleições e os seus resultados, já muito se tem dito. Citaremos, por exemplo, o historiador Manuel Alves de Oliveira, num texto que publicou em 1984, no Boletim dos Trabalhos Históricos, num texto alusivo à passagem do primeiro centenário da célebre exposição:

"Em 29 de Junho, catorze dias depois do acto inaugural da Exposição, a que dera o melhor do seu esforço e da sua boa vontade, realizaram-se eleições constituintes, tendo sido Alberto Sampaio proposto, por um grupo dos seus amigos, deputado pelo círculo de Guimarães. Porém, e contra toda a expectativa, o que vem comprovar o carácter volúvel e impressionável das multidões sempre abertas às falsas promessas dos políticos, Alberto Sampaio só conseguiu obter 190 votos, sendo então eleito o deputado apresentado pelo Partido Regenerador, João Franco Ferreira Pinto Castelo Branco, por 3 261 votos."

A história desta eleição é um pouco diferente da que tem sido contada. Na verdade, Alberto Sampaio nunca foi candidato a deputado e o seu nome foi introduzido nas urnas de voto por um número significativo de vimaranenses num gesto de homenagem e, ao mesmo tempo, de reacção contra a imposição, pelos principais partidos, de nomes estranhos a Guimarães. Isso mesmo se pode confirmar lendo a notícia que então foi publicada no jornal Comércio de Guimarães, em que se dava conta do modo como tinham decorrido as eleições em Guimarães:

"Em Guimarães a eleição correu pacífica e sossegadamente.

À última hora tocou-se a rebate nos campanários políticos, e o povinho obedeceu em rebanho.

Muitos eleitores não foram à urna; outros votaram pelo imposto regenerador, outros pelo candidato progressista, e outros prestaram a última homenagem a um nosso conterrâneo, cavalheiro modestíssimo, que empregou todos os esforços para que o seu nome não entrasse em lista alguma, obtendo, apesar disso, uma votação honrosíssima, eloquente e mui significativa.

Em algumas assembleias alguns eleitores riscavam francamente o candidato imposto e inscreviam o nome de Alberto Sampaio.

Era assim que os eleitores respondiam à imposição de um deputado estranho que foi eleito sem apresentação alguma."

[O Comércio de Guimarães, n.º 10, I ano, 2 de Julho de 1884]


Será o mesmo jornal, mais de duas décadas depois, que nos revelará com mais detalhe a história da suposta candidatura de Alberto Sampaio a deputado:

Variedades

(Apontamentos inéditos para a história de Guimarães)

Exposição Industrial

"Foi no dia 15 de Junho de 1884 que nesta cidade se inaugurou a Exposição Industrial, no palacete de Vila Flor, de iniciativa da benemérita Sociedade Martins Sarmento, exposição que foi elogiada por muitos visitantes ilustres.

Foi incansável na sua organização o snr. Dr. Alberto Sampaio, e de tal modo se houve, que um grupo de rapazes patriotas, passando por cima de todas as conveniências políticas e de interesses mesmo pessoais, não duvidaram em uma tarde, à frente de milhares de pessoas, aclamarem-no como deputado de Guimarães, pois se estava em vésperas de eleições.

Sua Exa., com aquela modéstia que de todos é conhecida, e mais seu exmo. irmão, na noite desse mesmo dia procuraram esses rapazes, e, agradecendo-lhes a lembrança, pediram-lhes que não insistissem na propaganda.

Apesar de S. Exa. não aceitar a lembrança, por motivos dignos de respeito, esses mesmos rapazes, sozinhos, na urna meteram uns 200 votos com o seu nome, de nada se receando.

Foram tempos evolutivos de progresso pátrio, que ainda hoje lembram a muitos com a maior saudade.

A exposição, por todos os motivos, foi brilhantíssima, tecendo-lhe a imprensa toda do país os maiores elogios, e foi ela, sem dúvida alguma, a causa única de ter hoje esta cidade a escola industrial."

[O Comércio de Guimarães, n.º 2049, XXII ano, 23 de Março de 1906]

Também publicado aqui...

domingo, 20 de janeiro de 2008

Alberto Sampaio, por Manuel Alves de Oliveira

Aquando do centenário da Exposição Industrial de Guimarães de 1884, Manuel Alves de Oliveira, Director do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, historiador e monárquico convicto, publicou no Boletim de Trabalhos Históricos um artigo sobre aquele evento, no qual traçou o perfil de Alberto Sampaio que aqui se transcreve:


Em 1858 Alberto Sampaio partira para Coimbra, onde frequentou a Faculdade de Direito da Universidade, que cursou com magnífico resultado.

Muito afectivo, sempre se manifestou um homem de excepcionais qualidades, e esse afecto corria caudalosamente para a sua terra de Guimarães e demonstrava-se, por excelência, no estudo das suas origens remotíssimas. À volta deste pendor do seu temperamento se enredaram as suas investigações históricas. Amava o convívio intelectual dos grandes amigos que ele próprio havia escolhido, como Luís de Magalhães, Oliveira Martins e Antero, o famoso lírico das “Primaveras Românticas”, cuja vida foi, para Alberto Sampaio, “continuamente inspirada pelos mais nobres sentimentos”, e o levavam a ver nele “uma destas figuras morais superiores que serão sempre a glória da Humanidade”.

Alberto Sampaio apreciava em Antero a sua indiferença pelas honras e grandezas que a tantos seduziam – e seduzem – e a afeição que demonstrava pela gente simples que, como Alberto Sampaio lhe reconhecia, “constituía uma disposição que lhe era muito particular.”

Foi também um íntimo amigo de Martins Sarmento em quem admirava o seu acendrado lusitanismo e a sua paixão em desvendar os mistérios da pré-história, que mereceram ao famoso e acatado arqueólogo vimaranense dedicados estudos.

Em 29 de Junho, catorze dias depois do acto inaugural da Exposição, a que dera o melhor do seu esforço e da sua boa vontade, realizaram-se eleições constituintes, tendo sido Alberto Sampaio proposto, por um grupo dos seus amigos, deputado pelo círculo de Guimarães. Porém, e contra toda a expectativa, o que vem comprovar o carácter volúvel e impressionável das multidões sempre abertas às falsas promessas dos políticos, Alberto Sampaio só conseguiu obter 190 votos, sendo então eleito o deputado apresentado pelo Partido Regenerador, João Franco Ferreira Pinto Castelo Branco, por 3 261 votos. O próprio Mariano de Carvalho, a quem em sessão de 16 de Março a Câmara resolvera consignar na acta um voto de agradecimento pelo interesse que tinha demonstrado pela criação da escola de desenho, não foi além de 4 votos...

Mas aqui, "Deus escreveu direito por linhas tortas”. Se Guimarães perdeu, para o Parlamento, um deputado vimaranense, ganhou, por outro lado, um grande historiador que no silêncio do seu gabinete de estudo se iria deter, com vagar e liberto de preocupações políticas no exame canseiroso de velhos manuscritos e antigos documentos medievos que na sua obra prima, “As Vilas do Norte de Portugal”, lhe permitiram reconstituir a história económica e agrícola anterior ao nascimento da nacionalidade, e no seu ensaio, “As Póvoas Marítimas”, apontar as primeiras sortidas que no mar foram feitas pelos portugueses do Norte, em plena Idade Média, e se tornaram o prenúncio longínquo da prodigiosa acção marítima desenvolvida por Portugal nos séculos XV e XVI.

Alberto Sampaio, insigne erudito, no retraimento da sua modéstia, nunca se deixou deslumbrar pelos fogos fátuos da popularidade. Correspondia bem ao que dele dissera D. Maria da Conceição de Lemos Magalhães, que foi esposa do Escritor e Estadista Luís de Magalhães seu íntimo amigo, “Quase pedia desculpa do seu saber e do seu valor às pessoas com quem convivia!”. Assim, quando no dia 24 de Junho os artistas e industriais, em grande número e acompanhados de duas bandas de música, depois de uma visita de duas horas à Exposição Industrial foram cumprimentar a Direcção da Sociedade Martins Sarmento, na sua casa do Carmo, e, depois, desceram à Rua de Santa Luzia para apresentarem cumprimentos ao dr. Alberto Sampaio, este não se encontrava em casa para os poder receber.

Como disse Jaime de Magalhães Lima, “o ardor e a isenção de espírito de Alberto Sampaio trouxeram-no permanentemente isolado do contacto do mundo e apartado da sua frivolidade e da sua inanidade, couraçado em mística armadura, impenetrável às efémeras superficialidades e dissipadas distracções do mundo”, concluindo que “Alberto Sampaio, o estudioso, foi, simultaneamente, um apóstolo, e a sua vida e a sua obra tornaram-se, além ide conselho seguro do entendimento, inspiração magnífica da dignidade” (1).

Escreveu Luís de Magalhães que “raramente o espírito, o carácter e o coração se terão simultaneamente elevado e equilibrado num indivíduo, como se elevaram e se equilibraram na personalidade de Alberto Sampaio”.

Pelo que em face de tudo isto devemos concluir que o Parlamento não era o lugar próprio para Alberto Sampaio, e talvez fosse essa a razão que ele decerto ambicionava, porque os vimaranenses, no acto eleitoral realizado, tivessem preferido o historiador primoroso que foi, ao parlamentar apagado e esmagado nas tricas da política, que ele teria sido.

E quando em 1892 de novo o quiseram incluir numa lista para deputados, Alberto Sampaio assim escreveu a esse seu dedicado amigo Luís de Magalhães: – “Céptico, excêntrico, cada vez mais separado do mundo, nada tenho que fazer em Lisboa, como representante de quaisquer eleitores” (2).

Mas, como historiador, não se alheou da política do seu tempo. Embora, tal como Sarmento, nunca fosse um político militante e praticante, na vulgar acepção da palavra, foi sempre solidário com o princípio monárquico e aberto às ideias liberais. E quando Luís de Magalhães fez parte do primeiro ministério franquista, colocou-se, moralmente, a seu lado.

[Manuel Alves de Oliveira, "A exposição industrial de 1884 e as suas repercussões", Boletim dos Trabalhos Históricos, Vol. XXXV, 1984, p.219-231, Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Guimarães, 1984]

(1) Labor da Grei, Guimarães, pág. 58.

(2) Correspondência inédita de Alberto Sampaio, publicada e anotada pelo Coronel Mário Cardozo. (“Revista de Guimarães”, n.° 3, do vol. LI, 1941, pág. 73).

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Imagens da Exposição Industrial de Guimarães de 1884

A Revista Ilustração Universal publicou, em 1884, uma série de cinco gravuras, que aqui se reproduzem, referentes à Exposição Industrial de Guimarães, promovida pela Sociedade Martins, da qual Alberto Sampaio seria a alma mater.

Alberto Sampaio

O Palácio de Vila Flor aquando da Exposição Industrial

Inauguração da Exposição

A secção de Cutelaria

A secção de cerâmica


Alberto Sampaio e a Exposição Industrial de Guimarães de 1884

Uma das preocupações iniciais da Sociedade Martins Sarmento prendeu-se com o desenvolvimento industrial de Guimarães. Logo nos primeiros tempos, mesmo antes da instalação oficial da Sociedade, foi apresentada pelo Director Domingos Leite Castro uma proposta para se organizar uma exposição concelhia. A ideia seria retomada no início de Dezembro de 1883, quando a linha de comboio já se aproximava de Guimarães. Nessa altura, a direcção da Sociedade decidiu pela “conveniência de, por ocasião da abertura do caminho-de-ferro de Bougado a Guimarães, se efectuar nesta cidade uma exposição industrial na conformidade de uma proposta há tempos apresentada pelo nosso colega o Sr. Domingos Leite de Castro”. De imediato se tratou da reparação da exposição, que contará com grande adesão por parte das actividades produtivas vimaranenses.

Alberto Sampaio, que seria autor, com Joaquim José de Meira, do Relatório da Exposição Industrial, desde cedo teve o seu nome associado à exposição de 1884, da qual, mais do que Director Técnico, tarefa em que foi formalmente investido, seria o principal mentor. Não por acaso, o primeiro texto que Alberto Sampaio publicou na Revista de Guimarães, era uma reflexão sobre a necessidade de promover uma mostra da indústria vimaranense, em que responde à pergunta Convirá promover uma exposição industrial em Guimarães?

“[…] Uma exposição em Guimarães não só é conveniente, mas impõe-se como uma necessidade, se a considerarmos como o primeiro passo para o rejuvenescimento e aperfeiçoamento tanto das suas antigas industrias como das que têm sido introduzidas nestes últimas quarenta anos. Esta necessidade acentua-se tanto mais se se atender à sua variedade, à localização dispersa por toda a área do concelho e à apatia de que estão sofrendo muitas delas. Reunidas, postas em face umas e outras, ver-se-á mais claramente, duma maneira palpável e irrefutável, a grande importância que o trabalho fabril ocupa no regime económico do concelho, e como o seu desaparecimento se traduziria por uma verdadeira desgraça para a população que o habita.

Ponderemos também que o inquérito de 1881 é muito omisso neste ponto; omissão que resultou provavelmente já da dificuldade de colher os elementos necessários atenta a sua disposição topográfica, como talvez também por falta de tempo. Será pois uma ocasião oportuna de preencher aquela falta, e formular um relatório que contenha detalhada e precisamente todo o movimento industrial de Guimarães, indagando-se ao mesmo tempo todos os factos que constituem a sua economia e trazendo a lume todos os esclarecimentos que sejam a base para os trabalhos a seguir.

Considerada assim, no ponto de vista acima exposto, como ocasião de estudo, como incentivo que reanime o moral da população, como ponto de partida em suma, uma exposição aqui como em qualquer outro centro produtor, tem uma razão de ser determinada; esforço parcial, mas subordinado a um pensamento geral, faz parte, diremos antes, é um poderoso meio de acção deste movimento geral que antes de se estender e envolver toda a terra portuguesa, terá de se ir acentuando isoladamente em todos os grupos produtores.

Se o país tiver ainda a vitalidade e os meios suficientes para levar a cabo esta empresa, se os homens que a iniciaram e os que se lhes vierem juntando nesta longa peregrinação, conseguirem restaurar o trabalho português indústria agrícola e fabril – poderemos então esperar ainda que qualquer que seja a crise mais ou menos grave, que parece avançar dia a dia sobre o horizonte nacional, essa será apenas uma perturbação passageira, que causará sem duvida a ruína de muitos, mas deixará viva a massa da nação e com os elementos necessárias para começar um novo ciclo histórico.”

Alberto Sampaio, “Resposta a uma pergunta. Convirá promover uma exposição industrial em Guimarães?”, in Revista de Guimarães n.º 1, fasc. 1, Jan.-Mar. Jan.-Mar. 1884, p. 25-34.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Manifestação dos operários e industriais durante a Exposição de 1884

MANIFESTAÇÃO — Realizou-se ontem a que os artistas e industriais desta cidade tinham resolvido fazer, em demonstração de agradecimento aos promotores da brilhante exposição industrial de Guimarães.

À uma e meia hora da tarde principiaram a reunir-se os diversos grupos de operários e artistas na casa da Associação Artística.

Às 3 horas, estando já literalmente cheio o grande salão da Associação, estavam ainda muitos centenares de pessoas na rua de Gil Vicente, por não caberem lá dentro.

A essa hora principiou a pôr-se em marcha o cortejo.

Na frente ia uma banda de música, seguindo-se um industrial com a bandeira nacional arvorada, e desfilando depois numerosas massas de operários e artistas, da cidade e do concelho, que podiam calcular-se em mais de dois mil.

No couce ia outra banda de música.

A esta imponente massa juntava-se outra ainda maior de e povo e curiosos, talvez em número superior a quatro mil pessoas.

Os artistas, industriais e operários levavam no casaco um ramo de oliveira.

O cortejo seguiu pela rua de Gil Vicente, rua de Paio Galvão, largo ocidental do Toural, largo e Rua Nova de S. Sebastião, em direcção a Vila Flor.

No pátio dos jardins aguardava-o a Comissão Central promotora da exposição.

Chegado ali o cortejo levantaram-se calorosos vivas, entusiasticamente correspondidos por toda aquela enorme multidão.

As músicas seguiram então pela estrada para o átrio de entrada do palacete, em quanto os artistas e industriais subiam pelo jardim para a exposição, sempre no meio de entusiásticos vivas.

Depois da demora de duas horas em visita à exposição, tornou o cortejo a pôr-se em marcha, para vir, como veio, cumprimentar a Direcção da Sociedade Martins Sarmento, à sua casa do largo do Carmo, onde ela o estava esperando.

Ali repetiram-se os vivas e as saudações ao alto cometimento e aos nobres intuitos da Sociedade, depois do que o cortejo seguiu ainda para a rua de Santa Luzia, para saudar, em sua casa, o sr. dr. Alberto Sampaio, douto, esforçado e activo paladino da exposição, como presidente da respectiva comissão executiva dela.

Não estando S. Exa. em casa, o cortejo regressou à casa da Associação Artística, onde se dissolveu.

Em todos estes actos reinou sempre a maior ordem e o maior respeito, mostrando assim a nobre classe artística e industrial, quanto é digna de consideração, e quanto é nobre e entusiástica a sua grande alma.

[Notícia do Religião e Pátria de 25 de Junho de 1884]

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Alberto Sampaio e a Exposição Industrial de Guimarães de 1884

Em finais de Junho de 1884, quando decorria a Exposição Industrial de Guimarães, promovida pela Sociedade Martins Sarmento e organizada por Alberto Sampaio, a revista Ilustração Universal publicava, na sua primeira página, este retrato de Alberto Sampaio, acompanhado pelo texto que transcrevemos a seguir.


ALBERTO SAMPAIO

A FAMA gravou-lhe o nome no pedestal das glórias da vetusta cidade vimaranense e cingiu-lhe a fronte com a coroa de louro dos privilegiados. Merecidas recompensas! A exposição industrial de Guimarães foi um triunfo para a indústria nacional, foi uma afirmação solene da vitalidade do país e uma manifestação imponente do nosso génio artístico, posto em evidencia naquele glorioso certame, que teve por iniciadores cavalheiros de reconhecida ilustração e por únicos motores a actividade prodigiosa e a indefessa energia moral desse rapaz, tão modesto como inteligente, chamado Alberto Sampaio.

Não nos surpreenderam as aclamações de entusiasmo, com que a imprensa e o público têm saudado o talentoso organizador daquela exposição.

Conhecíamos de há muito a capacidade intelectual daquele homem; e posto que, há vinte anos, o tivéssemos perdido de vista, sabíamos que, dia a dia, ele iria aumentando o cabedal dos seus conhecimentos, entesourando as jóias do seu finíssimo espírito e adestrando as suas potentes faculdades na misteriosa solidão do seu gabinete de estudo, até que chegasse a hora de manifestar-se Como é e pelo que vale.

A ocasião chegou e, apesar de todas as dificuldades que acompanham empresas daquela ordem, apesar dos obstáculos que se opõem à realização de cometimentos de tal magnitude, apesar das contrariedades, com que tem de arrostar quem se aventura a tais temeridades, a ideia vingou, as dificuldades foram vencidas, os obstáculos aplanados e as contrariedades dominadas, porque para os homens daquela têmpera moral querer é poder, chegar é vencer. O templo abriu-se e a cerimónia foi imponente e majestosa.

Alberto Sampaio foi o pontifex magnus daquelas litanias do trabalho, e por isso a Ilustração Universal lhe dá o lugar de honra neste número, comemorando assim os serviços por ele prestados à indústria nacional nesta festa, que tanto honra o concelho de Guimarães, como os seus primorosos artistas.

À Sociedade Martins Sarmento deve-se a ideia daquela exposição concelhia.

Em 31 de Dezembro de 1882 um dos seus directores, o sr. Domingos Leite de Castro, apresentou nesse sentido uma proposta, que foi largamente discutida. Uns combateram-na como irrealizável, outros como insignificante e outros como inútil.

A ideia, porém, subsistiu e em ulteriores discussões foi ganhando adeptos e adquirindo simpatias.

E essa ideia tinha um objectivo mais amplo que não pôde realizar-se, porque a exposição de Guimarães, no primitivo pensamento da proposta, devia abranger três secções distintas a a indústria, a agricultura e a arqueologia.

Diversas circunstâncias, justificados motivos modificaram, porém, esse plano, e em 21 de Fevereiro foi decidido que se fizessem, em anos sucessivos, as exposições industrial, agrícola e arqueológica.

Resolvido isso, Alberto Sampaio assumiu a responsabilidade de levar a cabo o pensamento da exposição.

As diversas comissões delegaram nele, desde logo, todos os seus poderes e atribuições e a maneira como ele se desempenhou dessa árdua e difícil tarefa está autenticada nos elogios, que todos lhe tecem e com que cada um, à porfia, o exalta.

Nestes tempos que vão correndo, em que o egoísmo é a divisa geral da humanidade, são para causar estranheza os actos de abnegação e para admirar estes exemplos de amor pátrio,

Nestes tempos que vão correndo de indiferentismo político, em que dos cofres centrais do Estado não sai um ceitil, que não seja para contentar um partidário ou atrair um influente, são para causar admiração estas manifestações de desinteresse, com que meia dúzia de indivíduos se propõem, sem auxílio do tesouro público, a realizar uma empresa, que devia ser largamente subsidiada pelo Estado.

Nestes tempos de desconsoladora indiferença de uns, de profundo desânimo de outros, de condenável cepticismo de muitos e de completo desamor da maior parte pelas coisas públicas é para admirar a lição de civismo, que o berço da monarquia veio dar aos poderes públicos, realizando tão notável quão profícua exposição

Uma nação que dá tais exemplos não morre.

Os governos hão de suceder-se e passar, sem deixar, um vestígio de patriotismo, um rasto de iniciativa em prol da prosperidade nacional; mas o país há-de resgatar os erros da inércia governativa pela sua própria actividade, pela afirmação do trabalho dos seus filhos e por tais exemplos de dedicação.

Por isso e com júbilo que saudamos daqui Alberto Sampaio, a Sociedade Martins Sarmento e todos aqueles que concorreram para tão civilizadora festa e para tão gloriosos resultados.

M. Pereira

[Ilustração Universal, n.º 21, ano I, 28 de Junho de 1884]