domingo, 20 de janeiro de 2008

Alberto Sampaio, por Manuel Alves de Oliveira

Aquando do centenário da Exposição Industrial de Guimarães de 1884, Manuel Alves de Oliveira, Director do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, historiador e monárquico convicto, publicou no Boletim de Trabalhos Históricos um artigo sobre aquele evento, no qual traçou o perfil de Alberto Sampaio que aqui se transcreve:


Em 1858 Alberto Sampaio partira para Coimbra, onde frequentou a Faculdade de Direito da Universidade, que cursou com magnífico resultado.

Muito afectivo, sempre se manifestou um homem de excepcionais qualidades, e esse afecto corria caudalosamente para a sua terra de Guimarães e demonstrava-se, por excelência, no estudo das suas origens remotíssimas. À volta deste pendor do seu temperamento se enredaram as suas investigações históricas. Amava o convívio intelectual dos grandes amigos que ele próprio havia escolhido, como Luís de Magalhães, Oliveira Martins e Antero, o famoso lírico das “Primaveras Românticas”, cuja vida foi, para Alberto Sampaio, “continuamente inspirada pelos mais nobres sentimentos”, e o levavam a ver nele “uma destas figuras morais superiores que serão sempre a glória da Humanidade”.

Alberto Sampaio apreciava em Antero a sua indiferença pelas honras e grandezas que a tantos seduziam – e seduzem – e a afeição que demonstrava pela gente simples que, como Alberto Sampaio lhe reconhecia, “constituía uma disposição que lhe era muito particular.”

Foi também um íntimo amigo de Martins Sarmento em quem admirava o seu acendrado lusitanismo e a sua paixão em desvendar os mistérios da pré-história, que mereceram ao famoso e acatado arqueólogo vimaranense dedicados estudos.

Em 29 de Junho, catorze dias depois do acto inaugural da Exposição, a que dera o melhor do seu esforço e da sua boa vontade, realizaram-se eleições constituintes, tendo sido Alberto Sampaio proposto, por um grupo dos seus amigos, deputado pelo círculo de Guimarães. Porém, e contra toda a expectativa, o que vem comprovar o carácter volúvel e impressionável das multidões sempre abertas às falsas promessas dos políticos, Alberto Sampaio só conseguiu obter 190 votos, sendo então eleito o deputado apresentado pelo Partido Regenerador, João Franco Ferreira Pinto Castelo Branco, por 3 261 votos. O próprio Mariano de Carvalho, a quem em sessão de 16 de Março a Câmara resolvera consignar na acta um voto de agradecimento pelo interesse que tinha demonstrado pela criação da escola de desenho, não foi além de 4 votos...

Mas aqui, "Deus escreveu direito por linhas tortas”. Se Guimarães perdeu, para o Parlamento, um deputado vimaranense, ganhou, por outro lado, um grande historiador que no silêncio do seu gabinete de estudo se iria deter, com vagar e liberto de preocupações políticas no exame canseiroso de velhos manuscritos e antigos documentos medievos que na sua obra prima, “As Vilas do Norte de Portugal”, lhe permitiram reconstituir a história económica e agrícola anterior ao nascimento da nacionalidade, e no seu ensaio, “As Póvoas Marítimas”, apontar as primeiras sortidas que no mar foram feitas pelos portugueses do Norte, em plena Idade Média, e se tornaram o prenúncio longínquo da prodigiosa acção marítima desenvolvida por Portugal nos séculos XV e XVI.

Alberto Sampaio, insigne erudito, no retraimento da sua modéstia, nunca se deixou deslumbrar pelos fogos fátuos da popularidade. Correspondia bem ao que dele dissera D. Maria da Conceição de Lemos Magalhães, que foi esposa do Escritor e Estadista Luís de Magalhães seu íntimo amigo, “Quase pedia desculpa do seu saber e do seu valor às pessoas com quem convivia!”. Assim, quando no dia 24 de Junho os artistas e industriais, em grande número e acompanhados de duas bandas de música, depois de uma visita de duas horas à Exposição Industrial foram cumprimentar a Direcção da Sociedade Martins Sarmento, na sua casa do Carmo, e, depois, desceram à Rua de Santa Luzia para apresentarem cumprimentos ao dr. Alberto Sampaio, este não se encontrava em casa para os poder receber.

Como disse Jaime de Magalhães Lima, “o ardor e a isenção de espírito de Alberto Sampaio trouxeram-no permanentemente isolado do contacto do mundo e apartado da sua frivolidade e da sua inanidade, couraçado em mística armadura, impenetrável às efémeras superficialidades e dissipadas distracções do mundo”, concluindo que “Alberto Sampaio, o estudioso, foi, simultaneamente, um apóstolo, e a sua vida e a sua obra tornaram-se, além ide conselho seguro do entendimento, inspiração magnífica da dignidade” (1).

Escreveu Luís de Magalhães que “raramente o espírito, o carácter e o coração se terão simultaneamente elevado e equilibrado num indivíduo, como se elevaram e se equilibraram na personalidade de Alberto Sampaio”.

Pelo que em face de tudo isto devemos concluir que o Parlamento não era o lugar próprio para Alberto Sampaio, e talvez fosse essa a razão que ele decerto ambicionava, porque os vimaranenses, no acto eleitoral realizado, tivessem preferido o historiador primoroso que foi, ao parlamentar apagado e esmagado nas tricas da política, que ele teria sido.

E quando em 1892 de novo o quiseram incluir numa lista para deputados, Alberto Sampaio assim escreveu a esse seu dedicado amigo Luís de Magalhães: – “Céptico, excêntrico, cada vez mais separado do mundo, nada tenho que fazer em Lisboa, como representante de quaisquer eleitores” (2).

Mas, como historiador, não se alheou da política do seu tempo. Embora, tal como Sarmento, nunca fosse um político militante e praticante, na vulgar acepção da palavra, foi sempre solidário com o princípio monárquico e aberto às ideias liberais. E quando Luís de Magalhães fez parte do primeiro ministério franquista, colocou-se, moralmente, a seu lado.

[Manuel Alves de Oliveira, "A exposição industrial de 1884 e as suas repercussões", Boletim dos Trabalhos Históricos, Vol. XXXV, 1984, p.219-231, Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Guimarães, 1984]

(1) Labor da Grei, Guimarães, pág. 58.

(2) Correspondência inédita de Alberto Sampaio, publicada e anotada pelo Coronel Mário Cardozo. (“Revista de Guimarães”, n.° 3, do vol. LI, 1941, pág. 73).

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