domingo, 6 de abril de 2008

Alberto Sampaio na Revista de Guimarães (3)

O Presente e o futuro da viticultura no Minho.

Estudo de economia rural.

II

No Minho, é bem sabido que a cultura da vide se fixou economicamente não como exclusiva, mas sim associada a outras, sobretudo aos cereais e forragens; tecnicamente adoptou a forma alta, encostando as cepas às árvores ou estendendo-as em largas ramadas horizontais.

Esta maneira cultural parece ser a mais primitiva e a que que mais se aproxima à organização da planta, trepadeira de natureza vagabunda e expansiva. O modo como ela se comportava no meio das florestas, estava por si mesmo a ensinar o agricultor quando a transportou para os seus campos. Ainda hoje no nosso continente, Côte-d'Or, Toscana, Margens do Rheno, etc, encontram-se muitas espécies no estado selvático, subindo pelas árvores ou emaranhadas em sebes. A vide assim mais ou menos aparada, casada a árvores mais ou menos derramadas, devia ser o primeiro ensaio cultural.

Segundo uma tradição recolhida por Plínio (Liv. XIV, 14) parece que no tempo de Numa não havia outra cultura e esta mesma ainda incipiente; pois diz que ele proibiu aspergir com vinho a pira funerária por causa da raridade do líquido, mas que permitira fazer com este as libações aos deuses uma vez que viesse de vides podadas, para obrigar a esse trabalho os lavradores que o receavam pelo perigo de subir às árvores. E de facto muito tempo devera passar-se antes de se achar a cultura baixa. Transformar um vegetal, a quem a natureza tinha dado elementos para se desenvolver largamente num arbusto de fraco e pequeno crescimento, fazendo concentrar no cacho toda a sua vitalidade, de modo que em vez de um fruto bravio, acido e desagradável viesse a produzir um outro de sueco doce, de fino sabor e próprio a produzir uma bebida generosa, esta transformação, assim como de quase todas as nossas fruteiras, indica uma longa série de tentativas e observações dos antigos cultivadores. Mas quando enfim se achou a cultura baixa, a primeira com tais ou quais aperfeiçoamentos ficou provavelmente subsistindo ou nos sítios mais adequados ao cultivo de outras plantas ou onde o paladar não pedia nem exigia vinhos de primeira qualidade. Todavia no tempo de Columela já se conheciam as duas, ambas as quais descreve extensamente; a alta sobretudo, é de tal modo indicada no livro V, que a descrição fotografa exactamente a viticultura hodierna do Minho. Pode afirmar-se à face do texto do antigo escritor que nesta espécie desde então nada se tem inventado; tudo se acha ali, desde a árvore em alto fuste (arbusto italicum) disposta em andares (tabulata) até à entrepada em três ou quatro cabeços (rumpotinus, genus arbusti gallici), incluindo os cordões (traduces) que passam de uma a outra. Tal é principalmente a maneira virgiliana, e é a ela que o poeta se refere, quando diz:

Semiputata tibi frondosa vitis in ulmo est.

Este modo de cultivar, remontando como acaba de ver-se aos tempos mais antigos, também não é actualmente privativo da nossa região. Conserva-se na Itália, na Lombardia, em França, nos departamentos dos Altos Pirinéus, Garone, Isére e Sabóia; na Suiça em alguns sítios, como Evian; na Espanha, na Galiza. Encontra-se até na Ásia central (Kashmir).

Não possuindo os factos necessários para formularmos a história cio seu estabelecimento no Minho, e especialmente no concelho de Guimarães, indicaremos contudo que nem sempre foi assim. O foral de D. Manuel, dado em 1517 a esta cidade, contém a seguinte passagem: E Allem dos direitos atraz decrarados neste foral ouvemos por bem mandar asen-tar aquy e decrarar outros direitos e coisas que antigamente se levavam na dita villa segundo a justificaçam que das ditas coisas mandamos fazer – a saber... E assy o direito que se chama dos cariteis que he a pena que se daa aos que trazem os cães soltos no tempo das uvas”. Vê-se deste texto que anteriormente ao tempo do foral a generalidade da cultura da vinha devia ser em videiras baixas, aliás não seria preciso tomar medidas policiais a respeito dos cães no tempo das uvas. Combinando todavia as palavras que antigamente se levavam com o assentamento dos direitos dos cariteis, devemos inferir que nesta época a cultura já se estava modificando, sem se ter alterado completamente, pois que neste caso seria perfeitamente inútil declarar a coima. Concluiremos pois em face do texto que a viticultura baixa seria a regra normal no século XV, começando a desaparecer e a transformar-se toda em alta no século XVI. A esta passagem do foral convém adicionar a denominação significativa que ainda hoje conservam muitas parcelas de terra, como campo da vinha ou campo do bacelo, quando estas duas designações se eliminaram completamente da terminologia rural da localidade. O objecto desapareceu, mas como das cidades mortas ficou todavia um nome na linguagem popular.

in Alberto Sampaio, " O Presente e o futuro da viticultura no Minho. Estudo de economia rural. II ", Revista de Guimarães, n.º 2, 1885, pp. 20-35.

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