Foi em 1 de Dezembro de 1908 – completam-se hoje precisamente 99 anos – que na Casa de Boamense, em Cabeçudos, Vila Nova de Famalicão, faleceu Alberto Sampaio, justamente considerado como um dos grandes historiadores portugueses do século XIX. Cabe-me a mim, sua sobrinha bisneta, proferir, em nome da Família, algumas palavras a seu respeito nesta sessão inaugural das comemorações do centenário da sua morte, o que faço com natural e compreensível orgulho.
Tenho para mim como certo que dos grandes Homens é a vida que se celebra e, por isso acredito que, como escreveu Saramago, “Ninguém morre enquanto vive na memória dos outros”. A morte é, para eles não o fim mas o início da eternidade.
As minhas lembranças de Alberto Sampaio foram até à minha entrada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, aquelas que, de um modo especial meu avô António Vicente e minha tia-avó Maria Henriqueta transmitiram a mim e aos meus seis irmãos. Sabia que tinha sido um Homem notável, amigo de Antero de Quental, que o visitava frequentemente em Boamense onde tinha o seu quarto, de Oliveira Martins, Ricardo Severo, Martins Sarmento, António Feijó, Luís e Jaime de Magalhães Lima, entre outros, que dedicara a sua vida à investigação histórica, que fora um extraordinário vitivinicultor, que adorava a floricultura, que fora um homem simples e bom que sempre escondeu, numa humildade nunca fingida, todo o seu enorme saber. A biblioteca da Casa de Boamense, onde escreveu grande parte da sua obra rodeado dos seus livros, foi um local onde me habituei a entrar com respeito, direi mesmo com uma certa veneração por meu tio Alberto e meu bisavô José, familiares sempre presentes nas nossas vidas.
Penso que, às vezes, a vida marca encontros com as pessoas. E foi assim que em Coimbra, no ano lectivo de 1949-50, pela primeira vez tive perfeita consciência de quem era Alberto Sampaio quando, com indisfarçável orgulho, numa aula de História de Portugal, ouvi o Professor Doutor Torquato Soares falar de meu Tio nos mais elogiosos termos pondo em relevo a sua notável craveira de Historiador. Os meus 18 anos vibraram intensamente com a descoberta da sua projecção nacional: era um nome grande entre os Historiadores Portugueses! Escrevi ao meu avô, relatando o que ouvira e, pouco tempo depois recebi pelo correio com dedicatória muito amiga os dois volumes dos “Estudos Históricos e Económicos”.
Mais tarde, em 1956, voltaria a emocionar-me na solene inauguração do monumento a Alberto Sampaio, que esta cidade onde nasceu decidiu erguer em sua memória e na conferência sobre meu tio-bisavô proferida pelo meu antigo professor de Coimbra, Doutor Torquato Soares, no salão nobre da Sociedade Martins Sarmento em 10 de Junho daquele ano.
“Nunca boa árvore deu maus frutos”, foi com esta citação bíblica que Alberto Sampaio em 1860, com apenas 19 anos de idade, iniciou um artigo publicado na revista «O Académico», sobre Caixas Económicas, no qual já revela enorme lucidez ao escrever: “o engrandecimento moral e material de um país não se ganha tão facilmente como alguém pode julgar; é necessário que trabalhemos todos e muito, uns para os outros”.
Os seus trabalhos históricos, As Vilas do Norte de Portugal e “As Póvoas Marítimas”, são considerados obras primas do século XIX.
E que dizer do seu trabalho O Presente e o Futuro da Viticultura no Minho? Datado de 1884, este notável trabalho revela bem a clarividência do pensamento de Alberto Sampaio, defendendo a criação de regiões vinícolas em Portugal, numa época em que a pombalina Região Demarcada do Douro era a única existente no país. O seu brilhante trabalho de análise sociológica do século XIX, Ontem e Hoje, revela sobretudo o pensamento esclarecido e lúcido de quem sempre procurou descobrir a verdade.
A sua proverbial modéstia ficou claramente demonstrada nestas palavras escritas quando alguém o tratou por Mestre: “Mestre! Ah! Como estou longe dessa perfeição. Hei-de morrer simples estudante, vendo sempre, a cada passo, no assunto mais simples, novos horizontes ignorados. A questão para mim é aproveitar o pouco que tenho aprendido; talvez esse pouco possa servir a alguém e, se servir, compensar-me do tempo gasto”.
Era um homem bom, tolerante, um poeta e construtor de sonhos, capaz de se emocionar até às lágrimas ao ver uma árvore derrubada pelo mau tempo, vibrando de alegria com as suas descobertas históricas ou com os êxitos na agricultura ou vitivinicultura. Do seu voluntário isolamento em Boamense onde o atraíam os velhos alfarrábios e os seus mestres de todos os dias “as árvores e os ribeiros, o silêncio que habita o céu estrelado, a paz que mora entre outeiros isolados” , emergiu o escritor e o pensador com a mais alta compreensão do sentido integral da História, capaz de compreender, segundo as suas próprias palavras, que “as ideias são património comum da vida espiritual como o ar, a luz, e o calor da vida física”.
O seu desejo de paz e serenidade está bem revelado nestas palavras dirigidas a Jaime de Magalhães Lima, cerca de um ano antes de morrer: “Esperemos; pois na esperança contem-se já um como antegosto desta tranquilidade que tanto desejamos; e na nossa pobre vida jamais conseguiremos a realização de todo o nosso ideal”.
Antero num dos sonetos consulta as suas melhores memórias de outras idades:
E disse-lhes – No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? Dizei-me com verdade,
Pobres memórias que eu ao seio estreito…
Mas elas perturbaram-se – coitadas!
E empalideceram, contristadas
Ainda a mais feliz, a mais serena…
E cada uma delas, lentamente
Com um sorriso íntimo, pungente
Me respondeu – Não, não valia a pena!
Fora eu uma dessas memórias e trocava a negativa pela afirmativa: Sim, valeu a pena!
Maria Augusta Sampaio da Nóvoa Faria Frasco
Museu de Alberto Sampaio, 1 de Dezembro de 2007
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