No volume IV da Revista Lusitana (1896), de José Leite de Vasconcelos, Alberto Sampaio publicou um texto raramente referido na sua bibliografia. Trata-se de uma nota etimológica que aparece transcrita, com pequenas alterações de pormenor, na nota C inserida no final de “As Vilas do norte de Portugal”.
Um derivado de cornus, -i pelo sufixo -ária
Nos nossos pomares é hoje completamente desconhecida a cornus dos latinos (Cornus mascula de Linn.), – árvore frutífera de pequeno porte, cuja madeira teve na antiguidade grande reputação de dureza, segundo uma das referencias de Virgílio:
……………………..et bona bello
Não mais conhecida foi ela com certeza dos lexicógrafos portugueses, tal tem sido a sua divergência na tradução da palavra latina; traduzem-na uns em corniso, outros em sanguinho, outros em pilriteiro, julgando alguns que era uma espécie de abrunheiro, senão também de cerejeira brava. Este desvairamento de opiniões numa coisa tão simples indica absoluto desconhecimento da árvore; e contudo ela foi cultivada entre nós, e teve um nome privativamente seu, com uso tão prolongado, que se fixou em denominações locais.
O documento n.° 263 (an. 1027) dos Dipl. et Chartae, colecção dos Port. Mon. Hist., dá-nos uma informação decisiva a este respeito na seguinte passagem –uilla Cornaria subtus castro uermudi discurrente rribolum aue.
Comecemos pelo exame da denominação da “vila”.
Sendo corrente(2), que no período romano se designaram localidades e prédios rústicos com nomes derivados de vegetais por meio de vários sufixos, entre eles -arius -ária, logo à primeira vista a palavra cornaria se nos apresenta composta de cornus+-ária, justamente como do mesmo modo se compuseram os nomes de quase todas as árvores; sem a menor hesitação podemos, portanto, considerar a cornaria, que se lê no diploma, equivalente à cornus do latim clássico.
Vejamos agora se aquela entrou na linguagem popular, vertendo-se -ária em -eira.
Felizmente o texto contém as indicações bastantes para ser possível uma investigação de localidade. Este prédio devia ser pouco extenso, porque não produziu uma freguesia rural; mas deixou, contudo, memória na toponímia. Aproximadamente a 4 quilómetros do Castro de Vermoim, em baixo, ao sul, nos limites de Landim, S. Miguel e S. Paio de Seide (V. N. de Famalicão), há um terreno, compreendendo campos e bouças, chamado hoje o lugar de Carneira ou Corneiras; daqui ao Ave há quase a mesma distância. A situação da vila não deixa a menor dúvida; onde esteve a Cornaria do diploma está a Corneira actual.
Uma parte da freguesia de Tagilde (Guimarães) chama-se também ainda hoje Vila Corneira, que supõe uma Cornaria, como muito bem entende o seu distinto pároco, o sr. Oliveira Guimarães. (3)
Em face, pois, dos nomes topónimos que acabamos de citar, fica demonstrado que a cornus deu origem a Cornaria e Corneira, e que, portanto, esta última deve ser a tradução da primeira palavra.
Todavia, o nome nunca teria existido sem a árvore, por isso dissemos que foi cultivada entre nós; mas, tendo sido abandonada a sua cultura, ele perdeu-se para a linguagem comum, ficando apenas gravado no onomástico local, e por tal motivo passou desapercebido aos eruditos.
Quanto à denominação do fruto (cornum, -i) – lapidosaque corna, diz Virgílio(4) –, não encontrámos vestígios que nos elucidem sobre a forma portuguesa, que indubitavelmente existiu.
Alberto Sampaio.
(in Revista Lusitana, n.º 4, 1896, pp.285-286)
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(1) G. II, V. 447-8.
(2) Jubainville, Recherches s. l’or. de la pr. f. et d. n. de l. hab. en F., Cap. XVI
(3) Tagilde, Mem. Hist.-Descript.
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