Em finais de Junho de 1884, quando decorria a Exposição Industrial de Guimarães, promovida pela Sociedade Martins Sarmento e organizada por Alberto Sampaio, a revista Ilustração Universal publicava, na sua primeira página, este retrato de Alberto Sampaio, acompanhado pelo texto que transcrevemos a seguir.
ALBERTO SAMPAIO
A FAMA gravou-lhe o nome no pedestal das glórias da vetusta cidade vimaranense e cingiu-lhe a fronte com a coroa de louro dos privilegiados. Merecidas recompensas! A exposição industrial de Guimarães foi um triunfo para a indústria nacional, foi uma afirmação solene da vitalidade do país e uma manifestação imponente do nosso génio artístico, posto em evidencia naquele glorioso certame, que teve por iniciadores cavalheiros de reconhecida ilustração e por únicos motores a actividade prodigiosa e a indefessa energia moral desse rapaz, tão modesto como inteligente, chamado Alberto Sampaio.
Não nos surpreenderam as aclamações de entusiasmo, com que a imprensa e o público têm saudado o talentoso organizador daquela exposição.
Conhecíamos de há muito a capacidade intelectual daquele homem; e posto que, há vinte anos, o tivéssemos perdido de vista, sabíamos que, dia a dia, ele iria aumentando o cabedal dos seus conhecimentos, entesourando as jóias do seu finíssimo espírito e adestrando as suas potentes faculdades na misteriosa solidão do seu gabinete de estudo, até que chegasse a hora de manifestar-se Como é e pelo que vale.
A ocasião chegou e, apesar de todas as dificuldades que acompanham empresas daquela ordem, apesar dos obstáculos que se opõem à realização de cometimentos de tal magnitude, apesar das contrariedades, com que tem de arrostar quem se aventura a tais temeridades, a ideia vingou, as dificuldades foram vencidas, os obstáculos aplanados e as contrariedades dominadas, porque para os homens daquela têmpera moral querer é poder, chegar é vencer. O templo abriu-se e a cerimónia foi imponente e majestosa.
Alberto Sampaio foi o pontifex magnus daquelas litanias do trabalho, e por isso a Ilustração Universal lhe dá o lugar de honra neste número, comemorando assim os serviços por ele prestados à indústria nacional nesta festa, que tanto honra o concelho de Guimarães, como os seus primorosos artistas.
À Sociedade Martins Sarmento deve-se a ideia daquela exposição concelhia.
Em 31 de Dezembro de 1882 um dos seus directores, o sr. Domingos Leite de Castro, apresentou nesse sentido uma proposta, que foi largamente discutida. Uns combateram-na como irrealizável, outros como insignificante e outros como inútil.
A ideia, porém, subsistiu e em ulteriores discussões foi ganhando adeptos e adquirindo simpatias.
E essa ideia tinha um objectivo mais amplo que não pôde realizar-se, porque a exposição de Guimarães, no primitivo pensamento da proposta, devia abranger três secções distintas a a indústria, a agricultura e a arqueologia.
Diversas circunstâncias, justificados motivos modificaram, porém, esse plano, e em 21 de Fevereiro foi decidido que se fizessem, em anos sucessivos, as exposições industrial, agrícola e arqueológica.
Resolvido isso, Alberto Sampaio assumiu a responsabilidade de levar a cabo o pensamento da exposição.
As diversas comissões delegaram nele, desde logo, todos os seus poderes e atribuições e a maneira como ele se desempenhou dessa árdua e difícil tarefa está autenticada nos elogios, que todos lhe tecem e com que cada um, à porfia, o exalta.
Nestes tempos que vão correndo, em que o egoísmo é a divisa geral da humanidade, são para causar estranheza os actos de abnegação e para admirar estes exemplos de amor pátrio,
Nestes tempos que vão correndo de indiferentismo político, em que dos cofres centrais do Estado não sai um ceitil, que não seja para contentar um partidário ou atrair um influente, são para causar admiração estas manifestações de desinteresse, com que meia dúzia de indivíduos se propõem, sem auxílio do tesouro público, a realizar uma empresa, que devia ser largamente subsidiada pelo Estado.
Nestes tempos de desconsoladora indiferença de uns, de profundo desânimo de outros, de condenável cepticismo de muitos e de completo desamor da maior parte pelas coisas públicas é para admirar a lição de civismo, que o berço da monarquia veio dar aos poderes públicos, realizando tão notável quão profícua exposição
Uma nação que dá tais exemplos não morre.
Os governos hão de suceder-se e passar, sem deixar, um vestígio de patriotismo, um rasto de iniciativa em prol da prosperidade nacional; mas o país há-de resgatar os erros da inércia governativa pela sua própria actividade, pela afirmação do trabalho dos seus filhos e por tais exemplos de dedicação.
Por isso e com júbilo que saudamos daqui Alberto Sampaio, a Sociedade Martins Sarmento e todos aqueles que concorreram para tão civilizadora festa e para tão gloriosos resultados.
M. Pereira
[Ilustração Universal, n.º 21, ano I, 28 de Junho de 1884]